O II Festival de Cultura Popular de Imperatriz chega para demarcar território em vários aspectos. Do ponto de vista histórico, o festival propõe ações que valorizem a memória dos fazeres e saberes ancestrais do patrimônio material e imaterial, articulando o diálogo entre o passado e presente e a necessidade de preservação, fomento e difusão das manifestações artísticas e culturais. E na última terça-feira (19) ficou claro a que veio o Festival. Um grupo de trezentos estudantes do Centro de Ensino Médio Nascimento de Moraes ficaram extasiados, hipnotizados e alguns chorando emocionados abraçando o Mestre Marcelino, 89 anos, que é vaqueiro aboiador, após sua apresentação. Isso comprova que a nossa ancestralidade é pulsante e ao menor descuido ela explode.
Versos simples, feitos de improviso ou decorados, foram entoados pela voz rouca e cansada do Mestre que foi um dos fundadores do Bairro Santa Rita. Ele veio de Pirapemas (MA), na década de 70, e demonstrou com propriedade toda a indumentária do vaqueiro nordestino. O terno composto de “perneira”, “gibão”, “mocó”, “peitoral” e chapéu foi exposto e demonstrado nos versos do velho vaqueiro, mestre e guardião de uma cultura que superou muitas dificuldades, como a fome, os espinhos da caatinga e que agora encanta jovens adolescentes, como quem encantou a boiada com o berrante e os aboios ancestrais no sertão maranhense. A contribuição do II Festival de Cultura Popular de Imperatriz vai para além de reverenciar os reconhecimentos do Mestre Marcelino e de tantos outros mestres e mestras que, no silêncio cotidiano, vão construindo, cosendo, forjando e dando cores às identidades diversas de nossa região. Para a coordenadora do Projeto, Lília Diniz, momentos como esses contribuem para a elevação da auto-estima desses mestres, e no intuito de garantir a salvaguardar a difusão e a transmissão do conhecimento acumulado por guardiões da memória da cidade, mestres de artes e ofícios, que, muitas vezes, não se reconhecem e não são reconhecidos, nem respeitados por sua capacidade criadora e propositiva para uma sociedade de paz com respeito às diversidades, é que o Projeto de Lei “Tesouros Humanos Vivos da Cultura Popular Tradicional” nasce e ganha espaço nos corações dos jovens estudantes, na Câmara Municipal de Vereadores, nas redes sociais e na boca do povo.
Para Leonardo Pires, produtor cultural negro que foi contemplado no edital da Funarte para produtores negros/2014, o festival vem para estimular a valorização, a divulgação e fortalecimento da cultura afro-ameríndia na formação de diversos aspectos das culturas populares local, gerando reflexão e informação sobre os processos de resistência histórica dos povos tradicionais, tornando viva a memória dos saberes tradicionais e valorização da manifestação e de seus praticantes. Neste sentido, para os organizadores, os frutos vindouros serão pautados na convivência respeitosa com a diversidade cultural, com a diferença e modos de fazer enraizados no cotidiano e na história do Brasil representados pelos Mestres Escurinho do Samba (Música e artesanato), Seu Constâncio (Cerâmica) Dona Francisca do Lindô (Dança do Lindô e mangaba), Amparo da Cruz (Danças), Seu José Ferreira (carpinteiro/artesão), Seu Marcelino (vaqueiro aboiador), Dona Eliza (cozinheira), Seu Ataliba (pescador), Dona Joana (benzeira), Seu José (Umbanda) entre outros.
“Quem foi vaqueiro que vê outro vaqueiro aboiar/ Fica lembrando dos tempos que vivia a vaquejar / Sofre igual quem ama alguém e vê com outro passar.” “Mestre Costa bom vaqueiro/no sertão do Maranhão/muntado no seu cavalo/nunca achou bom barbatão/que com carreira e meia/ não jogasse ele no chão” “Hoje em vez de peitoral, traz no peito uma paixão/ De não poder vaquejar, nem vestir o seu gibão/ Passa boi, passa boiada, pisa no seu coração”. “Mestre Costa na fazenda hoje só abre cancela/Mocidade deixou ele, ele também deixou ela/A velhice montou nele, ele desmontou da sela.” *versos da música Bom Vaqueiro, do compositor maranhense João do Vale